sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Ensaio sobre falácias e privatizações

É preciso perceber alguma coisa de economia para se perceber que a ideia de que vivemos acima das possibilidades é uma falácia. E ainda mais para se perceber que o processo de ajustamento em curso não é para mudar a economia, mas apenas para a contrair, e assim conseguir-se pagar a dívida. E ainda é preciso perceber mais para se explicar tudo isto. Todavia, é mais fácil explicar outras falácias em tudo equivalentes, e que se reportam a decisões feitas sob aquele pano de fundo. A venda da TAP serve muito bem esse propósito, a que podemos juntar a venda do BPN, da EDP, da ANA e da RTP. E que falácias são essas? Vejamos, desde o início:
  1. As privatizações foram impostas pela troika: falso, na Irlanda não há privatizações;
  2. As privatizações foram negociadas pelos socialistas e o actual Governo só faz o que foi decidido: falso, o Memorando já teve várias e importantes revisões; e, falso, a RTP não está em nenhuma versão do mesmo;
  3. As privatizações são feitas sem olhar a interesses: falso, nas privatizações há interesses financeiros de vários milhões, por parte dos bancos intermediários, estrangeiros e portugueses;
  4. As privatizações ajudam ao financiamento externo da economia: falso, a EDP conseguiu 1000 milhões de euros de um banco chinês a um preço igual ou apenas ligeiramente inferior ao conseguido por outras empresas portuguesas;
  5. As privatizações são fundamentais para diminuir a dívida externa: falso, elas renderão apenas uma parcela diminuta do total da dívida (menos de 2%); e, falso, as empresas privatizadas prosseguem com o endividamento no exterior;
  6. As privatizações são uma forma de libertar a economia do Estado: falso, mal a EDP foi privatizada, um seu conselho geral foi aumentado em quatro membros do PSD e um do CDS; e, falso, desde então nada foi feito para ajustar os preços dos serviços e as taxas de rentabilidade;
  7. As privatizações contribuem para a modernização da gestão empresarial do país: falso, os compradores são de países com culturas empresariais menos desenvolvidas do que a portuguesa, incluindo a China, a Colômbia ou Angola;
  8. As privatizações estão a ser bem planeadas: falso, o BPN foi vendido no último dia definido no Memorando, sob pressão; e, falso, o actual comprador da TAP já faz pressão por causa do eventual menor valor da ANA, caso a TAP não seja vendida (e muitas dúvidas);
  9. As privatizações estão a ser feitas com toda a transparência: falso, não há nenhum órgão externo ao Governo que controle ex-ante o processo, e todos os consultores utilizados são contratados pelo Governo.
Dito isto, há outras coisas que elas comprovam, nomeadamente, quão negativa é, politicamente, a intervenção da troika, e quanto este Governo está desinteressado na economia do país e interessado em satisfazer os interesses, directos e indirectos, dos credores, sem sequer pensar em negociar ou em fazer-lhes frente. Exageros? Parece, mas nem por isso. Talvez alguém consiga dizer o mesmo de forma menos bruta. Há alternativa? Sim, fazer as privatizações com tempo, ponderadas e à antiga europeia.

Pedro Lains, 11/12/2012.